Depoimento de uma viajante na Indonésia (parte 1)

13-06-2024

"Bali isenta-nos"

Este é um lugar de contradições (mas não padecem todos, no final, dessa incoerência?).

O trânsito é caótico mas a vida pachorrenta. Têm o mote de abolir o plástico da ilha, apresentando as ideias mais mirabolantes para substituir palhinhas, mas fazem queimadas a céu aberto. A poluição provocada pelo trânsito é tal que há quem conduza de máscara hospitalar para filtrar o ar, mas depois não há restaurante nenhum em que a regra não seja o vegetarianismo. Os cães seguem soltos e são livres de entrar em qualquer lugar e no entanto o animal de estimação mais provável é o galo, que de resto vagueia livremente pelo asfalto, quando o há. Têm o mais agradável hábito do mundo, que provavelmente lhes advém do hinduismo, que é essa rara necessidade de agradecer tudo e a toda a hora. Não discutem nada a não ser o regateio e quando confrontados com questões políticas apenas conhecem o termo corrupção. Acham fascinante a ideia de um salário mínimo e quando lhes perguntei "então basicamente vocês trabalham toda a vida e depois morrem?" a resposta foi uma extraordinária gargalhada de conformismo. O género, ao menos a olho nu, é uma não-questão, pois homens e mulheres fazem trabalho de limpeza e mulheres e homens trabalham a par na construção. Escasseiam os olhares de degustação de turistas por parte dos locais, sem prejuízo do clima abrasador que convoca roupa muito condizente. As ruas e o resto denunciam um sério défice de tratamento de resíduos, mas as próprias oferendas diárias aos deuses contribuem em larga escala para o acentuar, numa réplica comportamental que arrepiaria qualquer ambientalista e mais ainda o imperativo categórico do Kant.

Apesar de tudo, eles levam a vida muito melhor do que nós, mesmo considerando a nossa pornográfica superioridade económica. Comem duas vezes por dia por opção e escandalizam-se quando confrontados com a nossa necessidade de o fazer cinco vezes diárias. Às seis da tarde o sol está posto, o que significa que às dez são mais que horas para juntar as pestanas. O dia começa muito cedo para todos e não só para os surfistas que veem na alvorada a melhor hora para colecionar ondas. Trabalham pouco, em geral, até porque como alguém um dia bem descreveu o clima social cá da zona, aqui não ganha o mais rico, não ganha o mais bem vestido e muito menos ganha o mais antipático. A religião é um dado crucial na equação balinesa, o que por si só apontaria para um resultado negativo feitas as minhas contas, mas depois elevam a máxima do fazer o bem até às últimas consequências, já que quem ganha, afinal, aqui, é quem consegue ser absolutamente bom na vida até que o karma lhe dispense a reencarnação. Esta máxima dispensa-lhes muita regulamentação, já que o imperativo da bondade é provavelmente o melhor legislador do mundo, até porque saber ser é uma ciência que só à força se ensina por decreto.

Seja como for, compreendida a lógica tresloucada, sentimo-nos improvavelmente em casa neste antípoda, quanto mais não seja pela preocupante característica siamesa de se agitarem quando questionados pelos derradeiros porquês. O porquê, seja lá ele qual for, é uma pergunta para a qual não existe resposta. Regem-se entre o certo e o errado, entre o dia e a noite. Um lugar tão binário quanto a própria bandeira.

Contactos:
geral.dreamtraveller@gmail.com
+351 912 002 115  
Agência de Viagens
Desenvolvido por Webnode Cookies
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora
Utilizamos cookies para permitir o funcionamento adequado e a segurança do site e para lhe oferecer a melhor experiência possível.

Configurações avançadas

Personalize aqui as suas preferências em relação aos cookies. Ative ou desative as seguintes categorias e guarde a sua seleção.